Sexto episódio de "Cachoeira do Sul: Lendas e Mistérios", série do blog dedicada a trazer relatos misteriosos dos mais de 200 anos desta cidade. Fugindo mais uma vez do tema, hoje se traz a lenda da cachoeira. Mesmo não sendo exatamente um conto de terror, serve como complemento para a série de lendas de Cachoeira.
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Em risonha aldeia de pescadores, à margem de caudaloso rio, que mais além ia formar uma cachoeira, vivia Elias, guapo e esbelto mancebo, de tez bronzeada e cabelos negros. Amava de todo coração o moço pescador a Clarinha, a mais encantadora donzela do lugarejo, filha do velho David, o qual, sem motivo algum, antipatizava solenemente com Elias, a quem hostilizava, assim como à filha, procurando destruir os laços de afeição que ligavam os dois jovens. A oposição que fazia o pai de Clarinha, longe de arrefecer-lhes o amor, tornou-o ainda mais violento.
David, apesar de ver malogrados seus esforços obstinava-se em não ceder aos rogos da filha. Não encontrava defeito nenhum no rapaz, que era bom, honrado e trabalhador, mas não queria... porque não queria... Era mera questão de capricho.
Atingindo finalmente Clarinha a maioridade, impôs ao pai a sua vontade e, como se não quisesse ele submeter, partiu a moça para a casa de seus padrinhos que moravam na outra banda do rio. Todas as tardes, lutando na frágil canoa de cedro com as marulhosas da torrente, lá ia o mancebo cantando alegremente ver a querida noiva.
Uma tarde a aldeia estava em festa. Naquele dia casavam-se Elias e Clarinha. O sol, ao deitar-se preguiçoso no horizonte, dourava com seus últimos raios as águas encrespadas do rio que iam lá adiante formar a cachoeira. Na canoa ornada de flores, que balouçava na praia, saltou Elias. O vento era favorável, não tinha necessidade de remos, deitou-os no fundo da embarcação e, desfraldando a vela, fez-se ao largo. Ia buscar a noiva. O casamento deveria realizar-se, à noite, na capelinha do lugar.
Quando o jovem pescador afastou-se com a vela solta ao vento, o velho David, em pé sobre a barranca, rugiu entre dentes: - Maldição!... Vais à vela, miserável!... o vento te protege... Quisera que fosses remando, como é teu costume, porque então havias de ir parar, despedaçado, no fundo da cachoeira... e a minha Clarinha, a minha querida filha não seria tua!... O velho não recuara diante do crime para impedir o casamento. Havia feito vários furos nos remos de Elias para que, assim enfraquecidos, se partissem antes dele atingir a margem oposta.
Pano enfunado, a canoa do noivo abicava à praia fronteira. Clarinha, que ali o esperava, embarcou. Amainara o vento. Colhida a vela, a embarcação, acompanhada de outra em que vinham os padrinhos da donzela, cortou as águas em demanda da aldeia. Chegando o barco ao meio da corrente, para vencê-la o moço pescador começou a remar com todo o vigor de seus braços fortes. Mas, de repente, empalideceu – acabavam de quebrar-se, um após outro, os dois remos – e a canoa descia o rio, a princípio lenta, depois em vertiginosa corrida. Elias tomou nos braços a noiva que desfalecera e, atirando-se à água, tentou nadar para terra. Baldados esforços. A correnteza o arrastava. Várias embarcações, entre as quais a em que vinham os padrinhos de Clarinha, lançaram-se em socorro. Foi tudo em vão...
O velho David, de pé sobre a ribanceira, imóvel como se fora de pedra, as mãos na cabeça, o olhar desvairado, viu-os abraçados lá ao longe despenharem-se na cachoeira. E murmurava: - Matei-o... mas matei também minha filha...
Na capelinha da aldeia, lugubremente, começou o sino a dobrar a finados...
De pé ainda sobre a barranca, louco, o velho, com os olhos desmesuradamente abertos, fitava a neblina que além subia da cachoeira e repetia baixinho, muito baixinho: - Matei-a... matei-a..."
Marques Júnior
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Texo originalmente publicado na edição do dia 6 de março de 1907 do jornal O Commercio.
Fonte:
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